quinta-feira, 26 de novembro de 2009

Um laboratório apocalíptico chamado metrópole


Há muito tempo não posto no blog. Mas hoje, se não postasse, talvez perderia a oportunidade de analisar as diferentes condições de vida que uma cidade brasileira oferece aos seus diferentes cidadãos. Não quero, de jeito nenhum, que este momento reflexivo se perca com o passar do tempo. Aproveitando que quero muito discorrer sobre tempo e espaço, procurarei agarrar-me a estas grandezas para escrever um pouco sobre a vida urbana moderna na maior cidade da América Latina.

Falar de diferentes condições de vida, remete-me a uma célebre frase do livro A revolução dos bichos, de George Orwell. "Todos os animais são iguais, mais alguns são mais iguais que os outros". Não há sentença mais adequada para explicar uma cidadania de fachada. No Brasil, há incontáveis casos deste tipo de cidadania. Para um cidadão igual, a cidade se apresenta de um jeito; a um cidadão mais igual, o espaço urbano ganha outra configuração.

Em São Paulo, no dia 26 de novembro de 2009, uma chuva intensa caiu sobre a cidade. No entanto, a percepção de cada cidadão em relação a este fenômeno foi diferente, levando em conta o seu grau de igualdade perante a cidadania metropolitana.

Explico melhor. Para o cidadão proprietário de carro, a chuva foi um estresse momentâneo, um acidente de percurso. Para o cidadão que utiliza transporte público, caminha a pé ou prefere formas alternativas de se locomover, como bicicleta, a chuva, ou melhor, um dia chuvoso na capital paulistana representou algo muito mais grave. Desprovido do motor "power flex", da rádio sintonizada nos hits do momentos e do chassis eleito o melhor da categoria, estes cidadãos podem sentir literalmente na pele como é viver numa cidade projetada apenas para os mais iguais.

O intelectual francês Marc Augé elaborou um estudo em que analisa certos espaços típicos do mundo contemporâneo, denominando-os de "não-lugares". Trata-se de ambientes onde não há um componente antropológico. Ao invés da valorização do homem, os não-lugares priorizam os fluxos. Em outras palavras, é aquela sensação que temos ao pisar num aeroporto ou ao passar pela Marginal Tietê.

Corredores de ônibus são também não-lugares, já que não tem um propósito antropológico específico. A situação fica ainda mais grave quando, num dia de chuva e alagamento, podemos ver a completa abstração humana num corredor projetado para abrigar humanos desprovidos de automóveis. É ou não é normal um carro cruzar um ponto de ônibus numa autopista alagada e produzir um jato de água que molha a empregada doméstica, o garçom, a vendedora de roupas e o desempregado? A cidadania, infelizmente, se reproduz em (in)diferença.
O espaço público precisa ser um lugar voltado a pessoas. Enquanto isso não ocorrer, a imagem apocalíptica de se viver numa região propícia somente a cidadãos mais iguais continuará prevalescendo no imaginário coletivo.

Um comentário:

  1. Oi Marisa!
    Se tem uma coisa em SP que mata qualquer um é a loucura do transporte público, principalmente quando falamos nas latas de sardinhas que se transformam ônibus e metrô (e pior ainda, o trem!). Muito bem observado...
    FaloU!

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